terça-feira, 13 de julho de 2010

O cartaz contra a fraude e a mentira

Poucos sabem do que falam




Razões para (não) pagar portagens





Quando em Dezembro de 1995 e Janeiro de 1996 participei em reuniões no ministério do Equipamento, como moderador e conciliador das reivindicações de transportadores, estava longe de pensar que me iria transformar em "pai" das portagens virtuais. Na ocasião decorriam protestos que envolviam dezenas de camiões dos transportadores de materiais de condução e inertes, que contestavam a abolição de portagens na Crel - Circular Regional Exterior de Lisboa e a manutenção do pagamento na ponte 25 de Abril. De recordar que António Guterres tinha chegado ao governo e implementou a medida em forma de cumprimento de uma promessa eleitoral, mas nem por isso deixou de ser um erro.

Perante a injustiça que representava a manutenção das portagens na travessia do Tejo, - na altura via única ligação rodoviária entre as duas margens, na área da Grande Lisboa - (que já tinha sido palco de protestos, com enorme visibilidade em 24 de Junho de 1994), e a abolição do pagamento numa via com alternativas diversas, os transportadores que mais usavam a via fizeram ouvir a sua contestação e ameaçaram provocar a ruptura da circulação.

Para estudar as reivindicações e evitar conflitos, os transportadores foram recebidos no ministério do Equipamento pelo ministro João Cravinho, pelos secretários de Estado, Crisóstomo Teixeira (das Obras Públicas) e por Guilhermino Rodrigues (dos Transportes). Durante a análise da situação, enquanto se moderava entre o paraíso pedido pelos transportadores e um mundo cor-de-rosa proposto pelos políticos, na conversa surgiu o tema da crise, essa coisa que já vem do tempo dos nossos avós. Como político hábil e conhecedor da função, Crisóstomo Teixeira falava do estado das contas em que os socialistas receberam o "dote", um pouco a modos que a deixar entender que o governo da rosa não teria fundos para construir estradas. Face ao cenário traçado, e porque o que era falado era o investimento directo, dei como sugestão estudarem as fórmulas de construção de vias idênticas às que estavam a ser aplicadas na Europa do Norte e do Centro por diversos países, nos quais os estados concedem a concepção, construção e manutenção a privados, segundo regras muito exigentes e penalizantes.

Dias depois do encontro a ideia surgia em forma de caxa no Diário Económico, abrindo caminho para a concretização pelo governo de um novo conceito na criação de infra-estruturas.

Cansado e zangado com os seus pares, Crisóstomo Teixeira saiu para a presidência da CP, onde realizou um trabalho assinalável, o que terá levado o projecto a ficar órfão de conceitos, mas enriquecido com a tradicional fórmula bem portuguesa de "desenrasque". Os resultados foram os que conhecemos em termos de endividamento, pois não terão sido desenvolvidos projectos de parceria, nem os ganhos com as novas vias foram repercutidos nas contas dos vários ministérios. Desde a Saúde à Segurança Social, passando pelas Finanças, Economia e Transportes, todos ganham com uma circulação que cause menos acidentes, menos vítimas e mais transacções comerciais. Por isso todos têm de pagar para que se construam novas vias.

O princípio do problema reside no facto de não existir em Portugal um histórico sobre este tipo de negócio entre o Estado e os privados. Quer se queira ou não ver a realidade, acumulamos ao longo de décadas atrasos nas infra-estruturas (sendo conhecidos os resultados da sinistralidade), que nos afastaram da generalidade dos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Fomos vítimas de uma política totalitária e só quando a Europa democrática nos "deu a mão" é que avançamos para aquilo que os outros já tinham concluído. Com uma rede viária típica do final do século XIX (nos outros Estados-membros), contornamos o problema construindo vias desenquadradas das características dos locais onde foram implantadas e sem terem em conta os volumes de tráfego que iam gerar.



Sem que se tenham concebido estradas ideais, a verdade é que se fizeram obras importantes para encurtar as distâncias. Depois vieram os fala-barato que em vez de sugerir soluções, fizeram críticas e até nos País do betão.

Mas o que é surpreendente é que muitos dos que hoje reclamam a construção e manutenção de estradas com o conceito de Scut's, são os mesmos que sempre que se referiam ao último governo de Cavaco Silva e do seu ministro Ferreira do Amaral, falavam da política de betão, do asfalto e do cimento. Lamentavelmente muitos são os que acordam tarde para a realidade das coisas e quando o fazem já são "profundos conhecedores" de uma matéria que não dominam.

Aqui a máxima "Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão", bem poderia ser o lema para o nível a que chegou a discussão em torno das portagens. Nas estradas deveríamos estar agora na terceira fase das infra-estruturas rodoviárias, a das vias pagas pelo utilizador, mas o que é facto é que não construímos as vias rápidas pagas por todos os nacionais e financiadas pela União. Para além de uma simples estrada nacional, todos os distritos têm direito a acesso por vias rápidas (que como já se percebeu facilmente ficam estranguladas) e depois aí sim construir vias pagas para quem pretende celeridade, para o transporte de pessoas ou de bens. Seguramente que qualquer investidor pode construir por sua conta e risco auto-estradas, mas o Estado não se pode furtar a construir ligações seguras e eficazes. Isso seria furtar-se a uma das suas grandes obrigações e passar para os privados lucros fáceis.

Se olharmos para o exemplo do IP5/A25, que liga Aveiro a Vilar Formoso e à vizinha Espanha, percebemos que a configuração do IP5 foi construída com um erro de concepção, que causou perdas humanas e financeiras incalculáveis, para substituir a N16 (estrada das Beiras) que é composta por um traçado sinuoso e estreito, com curvas constantes. Ao que se junta a inexistência de bermas, uma largura reduzida (que dificulta a circulação de pesados e ligeiros em sentidos opostos) e declives que amedrontam o mais corajoso. Ao apostar na rectificação do traçado do IP5 para uma via rápida com separador central e passagens desniveladas, sobre grande parte da via existente, o governo mais não faz do que de forma inteligente corrigir uma estrada da morte que foi fabricada por decreto-lei.

Colocar portagens no IP5 seria um erro grave. Mas o governo pode já começar a pensar abrir concurso para a construção de uma auto-estrada concessionada, pois o fluxo previsto esgota a via em apenas cinco anos. Não podemos esquecer que há um projecto para abastecer a indústria automóvel de Castela e Leão a partir do nosso porto de Aveiro.

Mas o Estado ao permitir a existência de estradas com erros de concepção ou de construção, deficiente ou inexistente manutenção, potenciou a ocorrência de milhares de acidentes dos quais resultaram incontáveis números de mortos, deficientes e feridos físicos e psíquicos, por isso tem de assumir para si os custos de compensar a sociedade pelos seus lapsos.

Ninguém com responsabilidade nas diversas áreas de decisão pode ignorar a sua quota-parte no erro de termos implantado estradas em zonas de orografia acentuada com a configuração de duas ascendentes e uma descendente, sendo a central reversível, ou seja, podia ser usada por quem subia e quem descia. Os resultados foram catastróficos. Basta que nos recordemos das mortes e feridos graves para perceber o sofrimento físico e psíquico causado a cidadãos que directa ou indirectamente mudaram a sua forma de viver, ora na sequência da deficiência imposta ou porque foram chamados a realizar o acompanhamento de muitos dos que resultam do número dos feridos graves.

É verdade que o dinheiro do Estado é o que resulta das receitas em impostos, pelo que se exige a sua boa gestão, mas o que é facto é que se forem só os utilizadores a pagar a primeira fase das vias-rápidas/auto-estradas estas não serão um factor de desenvolvimento e continuarão a incrementar o lado negativo das contas públicas, com o dispêndio de milhões de euros com a improdutividade, com os cuidados médicos e hospitalares e encargos sociais.