domingo, 25 de abril de 2010

É importante eSCUTar a Verdade

A verdade que não podemos ignorar

SCUT – Estradas/Vias do Estado

A mentira do utilizador/pagador ganha terreno


Apesar de saber que ter a coragem para abordar e denunciar o tema das Scut’s (estradas sem custos para os utilizadores) começa a ser igual a pisar terrenos minados e obscuros, entendo que não me devo furtar a dizer o que sei. Por isso numa acção pedagógica, com o presente artigo pretendo avivar a memória de quem intencionalmente a perdeu, tal como apresentar factos para a reflexão de quem procura maquilhar a verdade com uma mentira prostituída.
Ao mesmo tempo alerto para as consequências da teimosia obstinada pela introdução de portagens em vias, altamente financiadas por fundos comunitários, criadas para combater a circulação saturada em vias com erros de configuração, que potenciavam os trágicos números negros da Sinistralidade Rodoviária (considerada pela União Europeia como um grave problema de Saúde Pública).
Como interveniente, desde o primeiro minuto nas conversas em torno do conceito, recordo que a realidade dos factos, na questão das Estradas/Vias do Estado, diz-nos que quando tudo começou em 1996, por questões de marketing e guerrilha política, as mesmas foram apelidadas de Scut’s – Estradas Sem Custos para os Utilizadores, procurando dar a ideia de inovação do tipo “Ovo de Colombo”.
Há algo de muito estranho em todo este processo. Sem fundamentação técnica capaz de fazer vingar de forma séria qualquer tipo de argumentos credíveis, sobram as mensagens que conciliam o medo de um suposto apocalipse financeiro com a oratória alarmista repleta de histeria.
Anunciam-nos as Estradas/Vias do Estado (Scut’s) como a mãe de todos os males das contas públicas, enquanto nos passam a mensagem de que a morte do conceito e a ressurreição clonada, com o pagamento do dízimo (portagem), nos irão trazer a felicidade eterna. Tal como nas seitas e religiões de proveniência suspeita, o delírio em torno do perfume da Fé esbate-se com o cheiro pestilento das fezes argumentativas.
Por outro lado, em momentos chave, gabinetes de comunicação lançam-nos estrategicamente alarmes com a prostituição da verdade e com a falácia de “estudos”, que nunca foram sujeitos a contraditório, que deixam visíveis sinais que mais parecem recalcados de certas estruturas nascidas no submundo da economia italiana, que jogam, com a instabilidade e desinformação da sociedade, para assaltar as estruturas rentáveis do Estado e depois dividir entre os seus membros a partilha de lugares e os rendimentos. Como em tudo o que sabemos, nesta estória sobram os argumentos falaciosos mas faltam os fundamentos sérios. Percebe-se por que é que nos querem impingir uma verdade escamoteada.
Consciente de que não será pêra doce a introdução de portagens sem fundamentos, o governo seleccionou uns convidados para a falar do assunto e encenar um ramalhete. Com a fantasia de pretensas reuniões com autarcas, que, pela sua inacção no passado em torno da segurança rodoviária, são parte do problema mas não se podem guindar a protagonistas da solução, o governo insiste em esticar a corda para a introdução de uma penalidade injusta e discriminatória e está a alimentar um vulcão de consequências imprevisíveis.
Ao contrário da grandeza do pensamento e dos argumentos de Fernando Seara, presidente da Câmara de Sintra, que reivindica a passagem do IC19 (Sintra/Lisboa) para a característica de Via Urbana, os presidentes de diversas autarquias nortenhas que ignoram as razões e os fundamentos que presidiram à criação das Scut – Estradas Sem Custos para os Utentes (que mais não foram do que um baptismo de marketing político para apelidar as Estradas/Vias do Estado) e nada fizeram nem se opuseram quando, por exemplo, o IC1 foi rebaptizado A28 e A29 e o IC24 em A41(este último definido no PRN – Plano Rodoviário Nacional, como CREP – Circular Regional Exterior do Porto).
Lamentável o comportamento dos autarcas do Norte quando se dispõem a negociar o inegociável, tanto mais que as vias com separador central (sem atravessamento ao nível, sem rotundas, sem semáforos e sem entrada e saída directa de veículos para o edificado urbano, industrial e agrícola), visam responder aos aumentos de tráfego circulante dentro das populações e combater os negros e vergonhosos índices de sinistralidade, pelo que é uma configuração incontornável e imprescindível.
É também muito estranho que os autarcas do Norte ignorem que o tecido empresarial implantado nas zonas servidas pelas vias, que eles se mostram “compreensivos” e aceitam que sejam portajadas, são essencialmente compostas por empresas familiares de pequena e micro dimensão, unidades industriais não especializadas nem evoluídas (muitas delas de sectores condenados ao desaparecimento), tal como uma agricultura de baixa densidade e a pesca, que dependem das estradas para escoar as suas produções e capturas. Por outro lado a configuração do IC19, que serve Lisboa/Amadora/Sintra/Cascais, agrupa ao longo da sua extensão algumas das maiores empresas nacionais e das mais prósperas multinacionais.
Com estradas nacionais (N), altamente congestionadas, com configurações perigosas, algumas das quais transformadas em estradas municipais (M) e muitas até mesmo em ruas e praças, marcadas por um passado de sinistralidade, sofrimento e privação do direito à vida e à saúde, será que os autarcas não percebem o que está em causa?
Por muito que se coloquem em bicos de pés, certas figuras e instituições não são mediadores e conciliadores apenas porque o querem ser. Os autarcas, pela inacção no passado, pela incoerência e irrealismo do seu discurso, não o são seguramente.
É no mínimo estranho que sejam os presidentes das câmaras municipais a assumir o protagonismo das conversas com o ministério da tutela. Se os autarcas não tiveram destreza nem competência reivindicativa, ou intencionalmente se furtaram a agir, como é que surgem agora como mediadores, moderadores, conciliadores. Eventualmente, cabia aos presidentes das Assembleias Municipais das autarquias o papel de representação das populações nas negociações. É no mínimo um espectáculo de marionetas com contornos circenses.
A segurança rodoviária não se negoceia. Mas, aceitar os presidentes das autarquias como mediadores/negociadores, quando é sabido que a generalidade desconhece, ignora e não investe em segurança rodoviária nos seus concelhos daí resultando os elevados índices de sinistralidade, atropelamentos e vítimas em espaço urbano. veja-se o caso recente da Maia, que na requalificação de uma via teve a preocupação de dar a primazia ao automóvel e se recusa a instalar factores dissuasores de velocidade, exigidos pela população.
O cenário montado é tão surreal, que até parece que estamos a ver um filme de terror, que, apesar da tendência para a comicidade, causa náuseas e vómitos. Por falta de enquadramento para papéis positivos, os actores foram transformados em personagens menores numa novela onde os intérpretes, por aceitarem ser figurantes de segunda linha (para encher e tapar um cenário sujo e esburacado), podem vir a receber como recompensa uns trocos em espécie (fontenários, coretos de jardim, jardins infantis, pavilhões gimnodesportivos e salas de convívio, entre outras minudências), ficando desde logo “negociada” a visita deste ou daquele membro do governo ao concelho em ocasiões festivas e solenes e uma olhadela mais atenta para outros pedidos. O deprimente espectáculo de “Sim senhor Ministro!” não é uma palhaçada, mas o circo está montado.
O esquema de negociações com os autarcas é tão estranho que até proporciona suspeitas das suas reais intenções. Será que por detrás de toda esta provocação popular está oculto um esquema de incentivo à instabilidade social e através da revolta e conflito popular gerar factores que levem o Presidente da República a marcar eleições antecipadas? Ou será que os responsáveis de marketing do governo, que montaram este cenário de diálogo, estão a arranjar lenha para aquecer este frio Inverno?
Seria bom que os autarcas percebessem que não é reconhecido como mediador quem quer, mas quem tem provas de desenvolver procedimentos salutares nas matérias que estão em negociação. O apressado gesto dos autarcas leva a que sejam questionados sobre competências e como coabitam com os factores de segurança nos seus concelhos. Pena é que o presidente da Câmara de Vila do Conde, Mário de Almeida, tenha mudado completamente de registo, esquecendo-se do vigor e determinação como lutou e reivindicou, com argumentos sérios e credíveis, pela construção da variante ao seu concelho, para combater a calamidade da sinistralidade rodoviária na N13.
Por detrás de uma “verdade” fabricada por Palpiteiros de Aviário e Opinadores de Secretária, surgem mentiras que têm de ser denunciadas.
Mostra-se como imperiosa a denúncia de falsidades criadas em torno de um pretenso endividamento das gerações futuras e da famigerada argumentação do utilizador/pagador.
Quem está de boa-fé no processo sabe que este tipo de via não é uma moda mas uma imposição para combater os níveis de sinistralidade e sofrimento das populações. As estradas habilmente apelidadas como Scut’s, são um investimento geracional para combater as catástrofes familiares, que as estradas incorrectamente construídas produziram ao longo de décadas. Quantos laços familiares foram cortados? Quanto luto e dor ainda existe em pais que perderam os filhos e crianças que ficaram órfãs, vítimas de erros humanos na concepção das vias? Se queremos discutir estes problemas temos de ser sérios e colocar sobre a mesa os custos que as contas públicas despendem nos orçamentos dos ministérios da Saúde e Solidariedade Social, com os cidadãos que directa e indirectamente são vítimas da sinistralidade.
As Estradas/Vias do Estado não são um custo para as gerações futuras, mas sim um investimento geracional para combater a calamidade da desagregação familiar e os infindáveis números de deficientes, aos quais se juntam os improdutivos que são mobilizados para prestar apoio às vítimas.
A questão do utilizador/pagador é outra falácia, dourada para “incriminar” os usuários das vias como uns indivíduos que usam à borla algo a que não têm direito. Primeiro de tudo, é bom lembrar que esse argumento é usado nos países de atravessamento – Alemanha, Suíça, Áustria, etc… - (como penalidade para quem por lá circula sem nada entregar, recolher, comprar ou vender), pelo que em Portugal, como país periférico, a coisa não vinga. Por ou lado importa recordar que um veículo automóvel é um contribuinte líquido permanente para as contas públicas. Aos impostos cobrados na matrícula (cilindrada e emissões), na transacção do veículo (novo e usado), juntam-se os que são liquidados nos combustíveis, nos seguros, nos parques de estacionamento, nas taxas e impostos anuais e… até numa simples lavagem. Um veículo automóvel em Portugal paga por tudo e por nada. Até paga os mais elevados impostos, Automóvel e sobre Produtos Petrolíferos, da Europa.
No meio de todos estes cenários de mentira e de pontapé para a frente, há silêncios por esclarecer. O antigo Ministro João Cravinho, que desenvolveu um estudo onde se fundamenta a viabilidade do conceito Scut - Sem Custos para o Utilizador, provando a sua viabilidade sem agravar as contas do Estado, e patrocinou a apresentação de projectos de Lei para Prevenção e Repressão da Corrupção, foi enviado para presidir ao Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento. Ana Paula Vitorino, anterior secretária de Estado dos Transportes, que na campanha para as últimas eleições legislativas como candidata pelo círculo do Porto, disse numa entrevista ao Jornal de Notícias que estavam alterados os pressupostos para a introdução de portagens nas Scut’s, pelo que defendia uma reavaliação dos factores de ponderação, apesar de ser reconhecida pela sua competência técnica, está sentada na Assembleia da República. Há também o caso de Renato Matos, líder da concelhia do PS da Póvoa de Varzim, que em 2008 organizou um sessão de debate sobre os erros e os perigos da introdução de portagens no IC1/A28 e realizou, com jornalistas, uma viagem para provar que a via não é alternativa à N13, foi parar ao Conselho Superior de Magistratura e já é falado para a administração de um hospital no Grande Porto. Silêncios ou incómodos dourados?
Outra verdade por esclarecer é a de como e em que condições é que certas vias, que já estavam construídas e em funcionamento antes da criação das Scut’s, foram parar a esse pacote.
Poucos se recordam, mas muitos querem ignorar, que a fórmula Scut foi criada para que o esforço financeiro das contas do Orçamento de Estado, com a concretização do Plano Rodoviário Nacional, não inviabilizasse a determinação do saudoso Prof. Sousa Franco (e do governo PS de António Guterres) de colocar o Escudo como membro de pleno direito na moeda europeia Euro.
Por erro ou interpretação financeira descontrolada, as parcerias criadas em torno das Scut’s transformaram-se num grave erro de gestão, com consequências muito penalizantes para as contas públicas. Por tudo o que de mau aconteceu no processo Scut, não podem ser os cidadãos responsabilizados e condenados. Mais do que culpabilizar quem não foi ouvido nem achado aquando dos descontrolos financeiros, será importante pensar na renegociação das contrapartidas dadas aos concessionários ou, em casos extremos, resolver os contratos. O cidadão comum, empresarial ou individual, não pode ser vítima do facto de não existir, à altura da subscrição dos contratos das parcerias, histórico neste tipo de negociações.
Muito mais do que inventar receitas sem critério é preciso ter a arte e engenho de perceber que a introdução de portagens nas Estradas/Vias do Estado (Scut’s), que não são alternativa às vias primárias, vai penalizar as populações, potenciar os riscos de sinistralidade e seguramente agravar os custos operacionais das empresas e das famílias.
No caso concreto dos transportadores rodoviários de mercadorias, especialmente de pequena e média dimensão, que estão a viver uma crise profunda, agravada com o especulativo aumento do petróleo em 2008 e com a irresponsável e descuidada negociação de hipotéticas contrapartidas (como compensações?), que nunca chegaram às contas dos sacrificados, não podem suportar mais qualquer penalidade à aflitiva gestão corrente da sua actividade. Só por uma questão de honra e dignidade dos proprietários (alguns dos quais com históricas ligações familiares ao sector) é que muitas empresas continuam a laborar e o número de desempregados não é mais profundo. A gravidade da situação é tal, que o simples aumento de meia dúzia de euros por frete pode ditar o fim da actividade de quem resiste para sobreviver, aceitando operar cargas pobres com preços de frete esmagados, em zona de economia debilitada e com o espectro de falências sectoriais, e sem a possibilidade de entrarem nos tráfegos, mais ou menos rentáveis, da Grande Distribuição (onde os contratos prevêem que, do dia para a noite, em caso de agravamentos dos custos operacionais (portagens ou gasóleo) os mesmos sejam repercutidos no valor do frete. As estradas estão repletas de camiões, não porque isso seja sinónimo de riqueza e de bem-estar, mas por que se o camião parar hoje, amanhã não haverá receita para liquidar o gasóleo que se gastou ontem, nem trocos para pagar um prato de sopa ou para comprar a garrafa de gás necessária para ligar o fogão, que se acende ao lado do camião, onde será confeccionado um tacho de arroz com arroz.
A situação no sector é de tal maneira crítica, que se o governo, de forma cega e muda, optar por ouvir os mesmos parceiros e reunir com os mesmos intérpretes (para quem um cêntimo é igual a um euro) e insistir em impor penalidades aos transportadores que estão a sofrer com a crise e se viram penalizados com as “negociações” de 2008, seguramente que está a comprar a maior crise e conflito de sempre.
Não nos podemos esquecer que, na crise petrolífera do verão de 2008, foi do Norte que arrancaram os protestos que levaram à paralisação de todo o sector.

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